sábado, 30 de julho de 2011

Masuda Sultan foi a primeira mulher divorciada de sua família. Em princípio, esse pioneirismo nada teria de notável para quem cresceu na liberal Nova York. Mas, antes de ser uma cidadã da maior metrópole americana, Masuda é uma afegã, educada para seguir os preceitos estritos da etnia pashtun: a mulher só fala com um homem quando este lhe dirige a palavra, mantém os olhos baixos, sorri com discrição. Como boa menina muçulmana, submeteu-se a um casamento arranjado por seus pais ainda na adolescência. Nem sequer conhecia o noivo quando se acertou o noivado. Masuda, hoje com 28 anos, abandonou o casamento e as tradições familiares para perseguir uma bem-sucedida carreira acadêmica – ela tem um mestrado em administração pública pela Universidade Harvard – e para se embrenhar em uma dura militância pelos direitos da mulher no Afeganistão. Em Minha Guerra Particular (tradução de Regina Lyra; Nova Fronteira; 320 páginas; 32 reais), misto de livro de memórias e ensaio sobre a condição feminina na cultura islâmica, Masuda analisa a divisão cultural que marcou sua vida. "Em sociedades tradicionais como a afegã, o que importa mais é a adesão aos valores da família e da comunidade", disse Masuda em entrevista a VEJA, por telefone, de Cabul. "Mas eu acredito na valorização das escolhas do indivíduo. Nesse sentido, sou muito americana."
É curioso que, em contrapartida, Masuda também valorize os laços comunitários que perpassam a cultura afegã. Ela admira os grandes jantares em família e lembra com carinho a atividade frenética na cozinha de sua casa sempre que um hóspede era esperado. A família de Masuda mudou-se para os Estados Unidos quando ela tinha 5 anos, fugindo da invasão soviética. Na adolescência, ao contrário das colegas americanas, ela não ia ao cinema com as amigas, muito menos namorava. Estava, afinal, prometida para um homem catorze anos mais velho, um médico, considerado pela família um excelente partido. O casamento foi selado quando Masuda tinha 16 anos, em uma cerimônia islâmica tradicional no Paquistão – onde a noiva quase não viu o marido, mas passou os dias na companhia constante e opressiva das parentas dele. Esse pesadelo doméstico é um dos aspectos mais reveladores do livro: Masuda mostra como a opressão à mulher nas sociedades islâmicas não é obra exclusiva do homem. Sogras, mães, irmãs, cunhadas cumprem um papel fundamental na imposição de limitações à liberdade de suas iguais.
De volta aos Estados Unidos, a frustração do casamento conduziu Masuda a uma tentativa de suicídio e, depois, a uma saída bem mais razoável: o divórcio. Foi na perigosa condição de mulher divorciada que Masuda retornou pela primeira vez a sua cidade natal, Kandahar, em 2001, alguns meses antes dos ataques terroristas de 11 de setembro – ou seja, em plena vigência do regime talibã. O Afeganistão que ela descobriu era um lugar pobre e oprimido, dilacerado por décadas de guerras civis. Masuda, que chegou a votar em George W. Bush – os muçulmanos americanos, diz ela, se identificam com os valores conservadores do Partido Republicano –, não engrossou o coro dos opositores à invasão americana no Afeganistão. Mas denunciou excessos e crimes das forças invasoras – em particular, o bombardeio da aldeia de Chowkar-Karez, onde teriam morrido dezenove parentes seus. "A posição oficial do Departamento de Defesa é que aquela população civil era um alvo legítimo, que ela dava apoio ao Talibã", critica Masuda.

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